João Bénard da Costa em imagem que ilustra a entrevista de 1990. Se ele cá voltasse!...
Na verdade, tudo isto me soa demasiado à crítica de banda desenhada que mais abomino para me deixar confortável. Não que deteste Hitchcock, bem pelo contrário, mas Hitchcock está longe de ser, como diria João Bénard da Costa, muito lá de casa (my crib's assiduous visit, diria eu). Ou seja, não posso dizer que os meus gostos cinematográficos coincidam com os de João Bénard da Costa, a não ser quando ambos achamos John Ford, Kenji Mizoguchi, Rossellini e Visconti mestres incontestáveis.
Coincido com João Bénard da Costa em mais algumas coisas, mas não poderei nunca dizer como ele "O cinema não é uma arte narrativa — a história de um filme é o que é menos relevante num filme". Não posso porque acho que nem os Cahiers nem Bénard perceberam algo que a banda desenhada me ensinou: as imagens também são narrativa. E não perceberam porque eram herdeiros de uma tradição essencialista que vai de Lessing ao tardo-modernismo. A literatura não é dona exclusiva da narração e João Bénard da Costa, que amava o cinema mudo, e Stroheim e Murnau e Fritz Lang, tanto como eu, deveria sabê-lo.
Em resumo: o que faz de João Bénard da Costa o meu mestre não é o cinema, é outra coisa muito mais importante: uma atitude perante a vida e a arte em que ética e estética se confundem.
Daí a citação abaixo... Não poderia finalizar melhor esta entrada no meu blogue:
[JBC—] Com o aparecimento da cultura de massas deixou de haver uma «aristocracia da cultura». Ao que tem de se saudar do ponto de vista social e político, opõe-se o «reverso da medalha», isto é, uma tirania de gostos ditados por pessoas sem preparação. E tal como há pessoas cegas aos valores morais, há também pessoas cegas aos valores estéticos. São sempre minorias as que não são cegas, nem a uns valores nem aos outros. Esse abastardamento passa, aliás, pela compreensão do termo «cultura». Há uma ideia, que teve em Portugal expressão importante no pintassilguismo, e num teórico como o Eduardo Prado Coelho, segundo a qual, desde um prato bem cozinhado, a um bom quadro, a um livro, tudo é indistintamente cultura. Essa concepção revela já uma grave crise vinda do interior do mundo que vive dessas mesmas referências culturais.
MSF — Outro tópico recorrente no seu livro é a nostalgia. Nostalgia de uma visão romântica da criação que faz de cada autor um «génio maldito», que vê na estreia de cada filme um escândalo.
JBC — Há dois tipos de nostalgia. Quando falo das salas de cinema, de um modo de vida, essa é a componente pessoal da nostalgia. É como se falar das casas da minha infância, de pessoas que já morreram. São circunstâncias irrepetíveis que se evocam. Outro tipo de nostalgia surge quando, ao comparar dois modos de vida, nos perguntamos se existe ou não uma perda. Parece-me evidente que existe uma perda e que ela é relevante na discussão dos actores, dos realizadores e da qualidade das suas obras. Muitos deles entraram em choque com o gosto dominante e pagaram a factura. Fizeram o tal negócio com a alma, que é o negócio em que se perde sempre, como dizia o outro. Era essa a grandeza da arte. Punha-se a alma em jogo e perdia-se, quanto mais não fosse, o corpo.
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