Thursday, August 20, 2015

Ana Hatherly - Coda

Neste tema com duas variações Ana Hatherly, a poeta-pintora, como alguém a cognomizou, demonstrou mais uma vez que o espaço da página como lugar expressivo e construtivo, no seguimento dos exemplos modernistas pioneiros de Mallarmé e Apollinaire, nunca deixou o seu espírito. É este aspecto da poesia visual, movimento em que foi um dos principais expoentes, que aproxima o trabalho de Ana Hatherly da banda desenhada, arte da palavra escrita e da expressão visual por excelência (sem essencialismos bacocos, evidentemente, antes com laivos barrocos, ou não fosse Ana Hatherly a maior especialista das visualidades escritas barrocas em Portugal). De notar que o "mote", por assim dizer, tem apenas uma tímida nota espacial no final e que as "variações" se abalançam decididamente no caminho experimental (a referência a "Il pleut", de Apollinaire, é clara). É como se Ana Hatherly descrevesse, em microcosmos, um dos caminhos mais ricos da poesia europeia (e não só, quando tudo se tornou global) desde os simbolistas aos poetas visuais e concretos.

O tom elegíaco do poema pretende, evidentemente, ser uma homenagem à memória de Ana Hatherly.



Ana Hatherly, Rilkeana, Assírio e Alvim, 1999.

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