Robert Crumb, Raw #3, volume 2, Junho de 1991
Para além das revistas de banda desenhada cujo público alvo eram, sobretudo, as crianças e os adolescentes, várias publicações periódicas tinham conteúdos que se dirigiam aos adultos, como a antologia norte-americana Raw (pode ver-se acima a capa do último número, já da fase Penguin Books), Drawn & Quarterly (do Canadá, como vimos no último post), Garo no Japão, Madriz em Espanha, Lapin, Le cheval sans tête, em França, Strapazin na Suiça e Frigobox, na Bélgica. As antologias com histórias curtas serviam de trampolim para dar a conhecer novos autores ou para divulgar os criadores de uma editora reunindo-os numa única publicação. Eram (e digo "eram" porque praticamente já não existem) também produzidas à imagem dos redactores-chefe os quais, através de um trabalho de selecção, podiam criar um todo coerente. A revista Raw foi um trabalho de curadoria revolucionário por parte de Art Spiegelman e Françoise Mouly. Desde logo porque deram um ar cosmopolita à revista, algo apropriado a Nova Iorque, onde foi publicada, mas também graças a uma estética sofisticada cujo acento tónico privilegiava a qualidade gráfica e a criatividade com a inclusão de diversos tipos de papel, um single em vinil ou, até, um pequeno saco de plástico agrafado à revista, a envolver pastilhas elásticas. Foi no interior da revista Raw que Art Spiegelman serializou, em inserts muito mais pequenos do que a própria revista, os primeiros episódios do que viria a ser o seu romance gráfico, Maus.
Art Spiegelman, Raw #1, volume 1, Outono de 1980
Ao contrário do que aconteceu na fase Penguin Books (três números), na fase Raw Books (oito números) o tamanho era enorme: Raw #1, do volume 1, tem 27 x 36 cm; Raw #1, do volume 2, tem 15 x 22,2 cm com Raw #3, do mesmo volume, a ser uns milímetros maior do que os números anteriores.
Raw #2, volume 1, Inverno de 1980
A primeiríssima aparição de "Maus" de Art Spiegelman, breakdown do que viria a ser a capa do primeiro volume do romance gráfico (mini-comic colado no interior da contracapa).
Comecei este post pela capa da antologia Raw #3, da segunda fase, porque foi nesta revista que li "The Most Obvious Question", de Lynda Barry, cuja primeira prancha se pode ver abaixo. Sobre Lynda Barry nunca escrevi nenhum artigo de fundo. Limitei-me a um post neste blogue, seguido da coda correspondente.
Tira da série "Ernie Pook's Comeek" publicada em jornais alternativos norte-americanos e incluída na colectânea Come Over Come Over cuja capa se pode ver abaixo (arte original da colecção de Suat Tong Ng). A pedofilia no seio da família é aqui abordada desde o ponto de vista das crianças. O estilo "retarded", como a própria autora o nomeou, ajuda a criar uma atmosfera creepy. Especialmente ameaçadora é a silhueta na terceira vinheta. Esta é, na minha opinião, uma das tiras mais relevantes da história da banda desenhada. Escusado será dizer que a subcultura a ignora por completo.
As "casas felizes" e a explosão de cor na capa acima são criações fantasiosas das personagens Maybonne e Marlys e uma óbvia ironia por parte de Lynda Barry: o mundo das duas irmãs, retratado no interior do livro é, em contraste, não só cinzento como cruel e tudo menos feliz, embora as crianças encontrem, na sua inocência e fantasia, precisamente, o antídoto para o mundo adulto disfuncional que as rodeia (os óculos "sorridentes" escondem os olhos em sinal de evasão, em sinal de cegueira perante o real).
Tudo isto em contraste com visões edulcoradas da infância, tão omnipresentes no caldo quente e mole da cultura kitsch e pop que nos inunda.
PS Em baixo pode ver-se a capa de outra obra importante sobre a pedofilia no seio da família:
Debbie Drechsler, Daddy's Girl, Fevereiro de 1996
Admirável uso da cor: um interior em tons quentes, com o conforto da imersão na leitura e a companhia de um gato enroscado e meio adormecido é invadido pelos tons frios que vêm da porta entreaberta.
1 comment:
Not just the book interior. But one of the most intense covers of any book.
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