O presente texto tem nove anos e está inédito (fiz agora algumas alterações, mas não muitas...). Quer isso dizer que é muito anterior ao boom dos "comics studies". A maior parte do que se cita abaixo é lixo, mas, depois de se separar o trigo do joio, o panorama não é tão desértico como poderia supor-se. Uma omissão importante é a revista STP de Thierry Lagarde. Embora refira Bruno Lecigne não citei a sua revista Controverse, mas, sobretudo, falta a fundamental Dorénavant de Barthélémy Schwartz e Balthazar Kaplan.
A João Bénard da Costa... in memoriam...
“Eu gosto de junk food,
mas admito que é junk food. Cuidado com o crítico de banda desenhada quasi-highbrow1 que vos tenta apresentar Frank Miller e
Howard Chaykin como bons escritores”
(Harvey Pekar, 1989: 128; tradução minha)
Incontáveis rios de tinta, resmas de papel, bits e
ondas electromagnéticas já foram empregues a reflectir sobre a morfologia e a
epistemologia da crítica. Dispenso-me de acrescentar aqui algo mais à discussão (quer dizer, mais ou menos...) e arrumo o assunto com uma citação de quem melhor reflectiu sobre o problema nos jornais portugueses, Eduardo Prado Coelho: “Não é novidade que na
palavra “crítica” se incluem diversas práticas de escrita. Uma delas tem a ver
sobretudo com o espaço universitário e consiste em “explicar” (na medida do
possível) a obra em função dos seus diversos contextos históricos depois de
esses contextos terem permitido “fixar” (ainda na medida do possível) o texto
estudado: é a crítica filológica com a sua dominante historicista. Outra
consiste em jornalisticamente apresentar o livro em questão de modo a que o
leitor possa ter uma ideia do seu “conteúdo” – é o que se chama uma “recensão”.
Um terceiro caso consiste em fazer um juízo de valor fundamentando-o numa
determinada soma de argumentos – é a crítica de tipo judicativo. Por último
(mas a lista poderia ser mais longa), teremos a crítica que procura apresentar
uma hipótese interpretativa sobre a obra de modo a pôr em relevo certos
aspectos que não sejam imediatamente perceptíveis. Neste caso, o juízo de valor
é implícito: se a obra justifica o esforço na sua interpretação é porque tem
valor para isso” (Prado Coelho. 2001: 15). Claro que os vários tipos de crítica
apontados não são estanques: em muitos textos é possível encontrar uma
contaminação de uns por outros. Acrescento ainda, referindo-me à crítica mais
aprofundada: 1) a crítica traz implícito o problema do valor estético, claro,
mas também, porque não?, do valor ético; 2) uma vez que, como disse Adorno, a
“forma estética [é] conteúdo sedimentado” (1993: 15), não há crítica séria sem
análise formal; 3) o discurso crítico pode ser mais ou menos nómada, mas nunca
pode perder de vista a obra (navegação costeira); 4) contra a opinião da
crítica formalista, muito do problema crítico também se joga na área do
sentido; 5) a partir das condições anteriores podemos concluir com Renaud
Chavanne que o discurso crítico elaborado não tem por alvo de reflexão “as
condições de realização [da obra] às quais se apega[m] o historiador [e o
sociólogo, mas eu não seria muito dogmático na defesa deste ponto]. Não é sobre o percurso do autor, o qual pertence ao biógrafo.
Também não é uma acumulação de referências, elaboração absurda da lista de
todas as obras do autor” (1997: 5; tradução minha). Acrescento ainda que um
simples relato dos acontecimentos diegéticos também não é crítica no sentido
ambicioso do termo.
A axiologia é, hoje, uma espécie de camisa de onze
varas. A conjuntura transformou-se numa cacofonia de vozes discordantes, todas
a reclamar a legitimidade da sua hierarquia de valores ou, simplesmente, a
repudiar a instrumentalização das hierarquias vigentes. Eduardo Prado Coelho
(ainda ele) resumiu a situação da seguinte maneira: “a questão do valor
estético e da racionalidade estética, tem vindo a ser posta em causa por toda
uma série de movimentos autónomos, mas de efeitos convergentes: a extensa
reflexão das consequências do nominalismo artístico a partir de Marcel Duchamp;
as tentativas, na linha de Nelson Goodman, de transferir o estético para o
cognitivo; o mutismo ascensional que se apodera dos sobrinhos de Wittgenstein
nestas matérias; as teorias de uma definição institucional de arte na
perspectiva de George Dickie; a consideração do juízo de valor como uma simples
marca num processo de diferenciação, à maneira dos estudos sobre a distinção de
Pierre Bourdieu; ou o democratismo habermasiano de Yves Michaud” (Prado Coelho,
1998: 8). Eduardo Prado Coelho poderia ainda acrescentar o desconstrucionismo
de Derrida, mas adiante...
Não é este breve texto o lugar ideal para discutir temas tão complexos, como é óbvio, mas,
sinceramente, não vejo onde o nominalismo de Dickie, por exemplo, possa atacar
a hierarquia tradicional de dominação da alta cultura sobre a baixa (ou outra
qualquer distinção). As instituições legitimam socialmente as obras e os
artistas, como sempre fizeram. Trata-se, em si, de um fenómeno neutro que só
nos pode fazer reflectir sobre a subjectividade de toda a hierarquia de valores
já que, enquanto a universidade legitima (ou legitimava) James Joyce, a
televisão legitima democrática ou manipuladamente (?) os Rolling Stones (é
necessário ressalvar, porém, que depois de Bowling Green, e com a influência
crescente da cultura americana nas nossas vidas, a legitimação da cultura de
massas já não é exclusivo dos grandes meios de comunicação). É inegável que há
subjectividade no processo, mas isso já Kant (apud 1992) e Hume (apud 1997)
sabiam, não é nenhuma novidade. O primeiro contraria o relativismo do
julgamento estético pela validação intersubjectiva (o modelo de Dickie não
anda, sequer, muito longe), o segundo refuta-o afirmando que certos juizes são
superiores a outros (no texto de Hume encontramos Sancho Panza como enólogo: ele e os seus parentes só podem mesmo ser
melhores juizes da qualidade de um vinho do que um qualquer abstémio).
Curiosamente o próprio Hume corrobora involuntariamente a subjectividade última
destes fenómenos ao afirmar: “E para não extrairmos a nossa filosofia de fonte
muito profunda , recorreremos a uma história notável, contada em D. Quixote”
(Hume, 1997; tradução minha). Ou seja: o livro de Cervantes passou de ser uma
fonte não muito profunda a encabeçar o cânone literário. Ou então, quem sabe?,
talvez Hume considerasse o Quijote um livro profundo, mas a pequena
história de Sancho estaria excluída de tais alturas ou profundidades...
A banda desenhada, é bem sabido, tem sido proscrita
das “altas” esferas da cultura erudita e da validação estética. No fundo,
trata-se de uma simples luta política. Chamar para o campo cultural a lógica
democrática? Denunciar a construção de um gosto que marginaliza as classes
sociais mais baixas? Pode ser... na condição de que a democratização signifique
igualdade de oportunidades no acesso à qualidade e não a queda no exagero de se
considerar esteticamente bom2 o
trabalho de um artista medíocre só pela cor da pele ou pelo género sexual
(praticando a chamada “discriminação positiva”). (Bem sei que a ideia de génio
está hoje desacreditada, mas, se não fosse o caso, só nos faltaria assistir à
legislação de uma cota de genialidade para as minorias). Por outro lado não
tenho nada contra o elitismo se este significar apenas a exigência qualitativa
acessível a poucos (por falta de interesse, tempo, etc... tudo razões
transversais a toda a sociedade, é bom que se note...). Já tenho, e muito, se
este impedir o reconhecimento da qualidade existente fora dos parâmetros
ditados pelos preconceitos snobes. Voltando à democracia e ao juízo: imagine-se
o que poderia acontecer se milhares de leigos na matéria votassem contra a
técnica utilizada por um engenheiro na construção aeronáutica ou civil... O
desastre, certamente...
Há dois níveis para enquadrar o julgamento estético:
gostos pessoais não se discutem (todos têm o direito ao mau gosto; ninguém
consegue escapar completamente ao canto do kitsch em todos os domínios:
a impoluta elegância só seria atingível após infindáveis horas de afincada
dedicação); mas, como sociedade, devemos confiar na arbitragem dos especialistas
(sem abdicar, na qualidade de cidadãos livres, de revelar as possíveis
injustiças cometidas pela intelligentsia).
A denúncia politicamente correcta já é um dos
terramotos culturais mais importantes deste início de milénio. Quanto mais não
seja porque chamou a atenção para fenómenos de dominação politico-cultural (os
quais existirão sempre, não tenhamos ilusões). Se há abusos por parte dos
defensores do politicamente correcto ainda terão de passar muitos anos até que
atinjam a quantidade dos seus simétricos. Não se trata tanto da tão propalada
“crise de valores”, mas da substituição de uns valores por outros... para que
tudo fique na mesma, como acontece em todas as revoluções (cf. Lampedusa, 2000:
24; Buzzelli, 1998).
E a banda desenhada? Digamos
que até Umberto Eco, no início dos anos de 1960, foi praticamente
ignorada pela intelligentsia (caso quase único, o outro é Gilbert Seldes, é o
de Wolfgang Von Goethe, em 1831, ao fazer este extraordinário juízo sobre os
livros de Rodolphe Töpffer: “Se ele escolhesse, no futuro, um tema menos
frívolo, refreando-se um pouco mais, faria coisas capazes de ultrapassar a
imaginação” - (Eckermann, 1848 - tradução minha a partir da tradução de John Oxenford (s/d [1850]) - bem se pode dizer que Goethe profetizou a banda desenhada dita
alternativa). Excluindo a universidade, os primeiros críticos foram os próprios
artistas, ou, as mais das vezes, os fãs. Como o nome indica, os fãs escrevem
sobretudo em fanzines, mas estes são demasiado numerosos para se poderem citar
todos num texto breve. O movimento dos fanzines nos Estados Unidos começou por estar
ligado à ficção científica. Os primeiros fanzines dedicados à banda desenhada
no citado país foram: EC Fan Bulletin (1953) de Bhob Stewart, Comic
Art (1961) de Don Thompson e Maggie Spencer, Alter-Ego (1961) de Roy Thomas
e Jerry Bails, Spa Fon (1966) de Rich Hauser e Helmut Mueller, Squa
Tront (1967) de Jerry Weist, onde
pontificavam o já conhecido Bhob Stewart e Larry Stark, Panels (1979) de John Benson. (A crítica
dos jornais, por outro lado, está ausente deste texto.) Falando então de
livros, sobretudo (e, também aqui, muitos terão de ser suprimidos), há que
citar: Comics and Their Creators de Martin Sheridan (1942) como sendo o
primeiro inteiramente dedicado à banda desenhada (mais propriamente, ao campo
dos comics dos jornais); The Comics de Coulton Wough (1947) e The
Funnies: An American Idiom (1963), obra colectiva organizada por David
Manning White e Robert H. Abel; All in Color For a Dime (1970) de Dick
Lupoff e Don Thompson com a sequela The Comic-Book Book (1977) dos
mesmos autores; Comic Art in America (1976) de Stephen Becker. Numa
linha semelhante vem America’s Great Comic Strip Artists (1989) de
Richard Marschall. Bill Blackbeard, com inúmeros prefácios, poderia também ser
citado (é de destacar o longo texto que escreveu em R. F. Outcault’s The
Yellow Kid: A Centennial Celebration of the Kid Who Started the Comics -
1995 -, o qual ultrapassa o mero plano amador). Os livros dos fãs são
biográficos, hagiográficos, de divulgação popular. A linguagem é acessível, a
bagagem teórica implícita ou explícita é nula ou quase. Apesar do amor que
dedicavam à banda desenhada, estes primeiros fãs recusavam-se a ver nela algo
mais do que um entretenimento, talvez porque receassem ser apelidados de snobes
(?).
Na mesma
linha está a história da banda desenhada escrita por um
profissional: The Comics (1974) por Jerry Robinson (do mesmo autor é de
citar a monografia, amplamente ilustrada, Skippy and Percy Crosby -
1978). Outro livro interessante escrito por um profissional é: The Great
Comic Book Heroes (1965) de Jules Feiffer. Ainda no capítulo das
monografias há a registar: Citizen Caniff (1969) de Claudio Bertieri; Crumb
(1974) de Marjorie Alessandrini; Gotlib (1974) de Numa Sadoul; Fred
(1975) de Bernard Toussaint; Tardi (1980) de Thierry Groensteen; Un
opera de papier: les mémoires de Blake et Mortimer (1981) de E. P. Jacobs; Le
monde d’Hergé (1983) de Benoît Peeters; Corentin et les chemins du
merveilleux: Paul Cuvelier et la bande dessinée (1984) de Philippe Goddin; Krazy
Kat: The Comic Art of George Herriman (1986) de Patrick McDonnell, Karen
O’Connell, Georgia Riley de Havenon; Winsor McCay: His Life and Art (1987)
de John Canemaker; Foster e Val (1989) de Manuel Caldas; Töpffer:
L’invention de la bande dessinée (1994) de Thierry Groensteen e Benoît
Peeters; Accidental Ambassador Gordo: The Comic Strip Art of Gus Arriola (2000),
de Robert C. Harvey; Hal Foster: Prince of Illustrators . Father of the
Adventure Strip (2001) de Brian M. Kane; B. Krigstein (2002) de Greg
Sadowski, e um longo etc... De referir são também as recolhas de entrevistas em
livro (embora não se trate aqui exactamente de crítica): La aventura del
comic (1975) com entrevistas conduzidas por Alfonso Lindo; Entretiens
avec Hergé (1975) de Numa Sadoul; Charles M. Schulz: Conversations (2000)
com organização de M. Thomas Inge; La nouvelle bande dessinée (2002) com
entrevistas conduzidas por Hugues Dayez; Carl Barks: Conversations (2003)
com organização de Donald Ault; Artistes de bande dessinée (2003) com
organização de Thierry Groensteen, etc...
Na
Europa, o boom das publicações amadoras deu-se nos anos de 1960 com a
criação das revistas francesas: Giff-Wiff (1962), Phénix (1966), Schtroumpf:
Les cahiers de la bande dessinée de Jacques Glénat (1969, posteriormente, 1984, apenas Les
Cahiers de la Bande Dessinée). Esta última revista é uma das aportações
críticas à história da banda desenhada Ocidental mais importantes (este texto
não contempla o Japão, bem assim como outros países, com uma excepção, cujas línguas oficiais, e outras, não domino). Enquanto foi dirigida por Thierry Groensteen (dos
números 56 ao 83), ultrapassou em muito tudo o que já se tinha feito neste
campo deixando para trás o passado amador. Contou com participações de críticos
tão importantes como o próprio Groensteen, Bruno Lecigne, Gilles Ciment,
Jean-Pierre Tamine, Benoît Peeters. Faltou a esta revista da especialidade dar
um salto que, de momento, ainda ninguém deu: separar verdadeiramente o trigo do
joio em termos valorativos.
Da
fornada amadora acima descrita sai Jacques Sadoul com o livro L’enfer des
boulles (1968) e Panorama de la bande dessinée (1976), Edouard François
com L’age d’or de la bande dessinée (1974). É ainda de citar a
publicação amadora belga Rantanplan (1966) de André Leborgne, curiosamente conhecida por RTP,
e a italiana Comics Club (1967) de Alfredo Castelli. O primeiro livro inteiramente dedicado à banda desenhada editado em Itália foi I fumetti (1961) de Carlo della Corte. É ainda digno de nota o fanzine Fumo di China (1978) fundado por Franco Spiritelli, Andrea Magoni, Mauro Marcheselli, e Andrea Plazzi. O título do livro de François é
indicativo de uma certa (passe o eufemismo) nostalgia (uma idade de ouro é algo que se perdeu).
Curiosamente essa suposta idade de ouro não se situava em França, mas nos
Estados Unidos: eram sobretudo as (muito mal) apelidadas bandas desenhadas realistas dos
anos de 1930 (ou seja, eram as aventuras infanto-juvenis dos
comics dos jornais, reimpressas em França em revistas tais como: Robinson, Hop-Là, etc...). Toda esta actividade estava relacionada com as associações
recreativas ligadas à banda desenhada. Em França: o Club des Bandes Dessinées
(Alain Resnais era um dos vice-presidentes, o presidente era Francis Lacassin e entre os membros contavam-se Alvaro de Moya,
Federico Fellini, Evelyne Sullerot, Umberto Eco, etc...), CELEG (Centre d’Etude des Littératures d’Expression Graphique) a partir de 1964; a SOCERLID
(Société Civile d’Étude et de Recherches des Littératures Dessinées). Na Bélgica:
o CABD (Club des Amis de la Bande
Dessinée). Em Itália a ANAF (Associazione Nazionale Amici del Fumetto). Em
Espanha foi pioneira a revista Bang! (1968) de Antonio Martín e brilha pela longevidade o
fanzine El Wendigo (1974), o qual, apesar de ter as características
amadoras já enumeradas, publica os excelentes textos formalistas de Faustino
Arbesú. No campo das associações Luis Gasca fundou o Centro de Estudio de Expresión Gráfica. Em Portugal há a citar os fanzines: Quadrinhos
(1972) de Vasco Granja, Nemo (1986) de Manuel Caldas, Bedelho
(1988) de Francisco Gil e Fernando Vieira, assim como o Clube Português de
Banda Desenhada (CPBD) que edita um boletim (1977).
É aos
fãs que se deve muita da historiografia da banda desenhada, mas, infelizmente,
uma vez que estes não são historiadores profissionais, os livros que escrevem
são mais colecções de dados (bio e bibliográficos) do que
verdadeiras histórias (com as necessárias sínteses interpretativas dos eventos,
integração das obras na sociedade da época em que foram criadas, análise
formal, etc...). Nos Estados Unidos, e para além do livro de Robinson, pode
citar-se: Les Daniels com Comix: A History of Comic Books in America
(1971); Ron Goulart com Over 50 Years of American Comic Books
(1991); The Art of the Funnies: An Aesthetic History (1994) e The Art
oif the Comic Book: An Aesthetic History de Robert C. Harvey (1996 - ano em
que se publicaram muitas histórias da banda desenhada para comemorar o seu
suposto nascimento com o Yellow Kid, um século antes). Em
França podemos encontrar Histoire de la bande dessinée d'expression
française (1972) e Histoire mondiale de la bande dessinée (1981),
ambas da autoria de Claude Moliterni; Histoire de la Bande Dessinée en
France et en Belgique des origines à nos jours de Henri Filippini (1980); Astérix, Barbarella & Cie de Thierry Groensteen (2000). Em Portugal avulta a obra
pioneira Os Comics em Portugal: uma história da banda desenhada de
António Dias de Deus (com uma adenda por Leonardo de Sá - 1997) e Das
Conferências do Casino à Filosofia de Ponta (2000) por Carlos Bandeiras
Pinheiro e João Paiva Boléo (a fundação Calouste Gulbenkian publicou também,
pelos mesmos autores, A Banda Desenhada Portuguesa: 1914-1945 - 1997 -
e Banda Desenhada Portuguesa: Anos 40-Anos 80 - 2000). De Leonardo de
Sá e Geraldes Lino é o Dédalo dos Fanzines (1997). Em Espanha destaca-se
Fernando Martin com Apuntes
para una historia de los tebeos
(1967) e Los inventores del comic español (2000). Sem esquecer Antonio
Altarriba com La España del tebeo (2001 - uma história onde, como o título
indica, se faz a ligação entre as personagens de tebeo e as Espanhas franquista
e da transição democrática) e o monumental Atlas Español de la cultura
popular: De la Historieta y su uso. 1873 - 2000 (2000) por Jesús Quadrado. Ainda em Espanha cito três livros de Javier Coma: Los comics: un arte del siglo XX (1977), Del gato Félix al gato Fritz: História de los comics (1979), El ocaso de los héroes en los comics de autor (1984). Na Argentina contam-se duas obras importantes: História de la historieta argentina (1980) de Carlos Trillo e Guillermo
Saccomano; La historieta argentina: Una historia (2000) por Judith Gociol e
Diego Rosemberg. Na Grã-Bretanha,
para além de Dennis Gifford, com The British Comics Catalogue 1874-1974 (1975),
podem citar-se as três obras de Roger Sabin: Adult Comics: An Introduction (1993),
Comics, Comix & Graphic Novels: A History of Comic Art (1996), Below
critical Radar: Fanzines and Alternative Comics from 1976 to now (2002 -
com Teal Triggs). A banda desenhada dita underground já vai tendo a sua
historiografia com: A History of Underground Comics (1974) de
Mark James Estrin; Rebel Visions:The Underground Revolution 1963 - 1975 (2002)
de Patrick Rosenkranz; Comix: The Underground Revolution (2004) de Dez
Skinn. A banda desenhada alternativa norte-americana encontrou historiador
na figura do espanhol Oscar Palmer: Cómic alternativo de los ’90 (2000).
Vinda do underground, a artista Trina Robbins historiou a banda desenhada feita
por mulheres em A Century of Women Cartoonists (1993) e From Girls to
Grrrl: A History of Women’s Comics from Teens to Zines (1999); Wendy Siuyi
Wong divulgou a banda desenhada de Hong Kong através do livro hong kong
comics:a history of manhua (2002). A acrescentar ao presente parágrafo,
apenas mais um longo etc...
As enciclopédias são o reino preferido do fã. Como este alia a
faceta de estudioso do tema à de coleccionador, nada mais natural do que tentar
catalogar tudo o que existe. Darei apenas alguns exemplos: The World
Encyclopedia of Comics (1976), sob a direcção de Maurice Horn e,
infelizmente, com muitos erros; Encyclopédie des bandes dessinées (1979)
com supervisão de Marjorie Alessandrini; The Encyclopedia of American Comics
(1990), edição de Ron Goulart; Dictionnaire mondial de la bande dessinée
(1994), de Patrick Gaumer e Claude Moliterni.
Uma vez
que já citei Thierry Groensteen posso passar à segunda “espécie” de críticos de
banda desenhada: os jornalistas e os especialistas. Estes não são críticos
universitários apenas porque não estão directamente relacionados com nenhuma
destas instituições. Thierry Groensteen, por exemplo, integra-se nesta
categoria, com inúmeros livros de divulgação mais ou menos popular, e na
seguinte, a universitária, com Système de la bande
dessinée (1999). Para além de dirigir os Cahiers
de la bande dessinée durante o seu período verdadeiramente interessante
dirige e publica actualmente a não menos importante revista 9e art. Thierry Groensteen escreveu Animaux en cases
(1987), L’Univers des manga: une introduction à la BD japonaise (1991), Couleur
directe (1993), La construction de La Cage: autopsie d’un roman
visuel (2002), etc… Nos
Estados Unidos é obrigatório citar: The Seven Lively Arts de Gilbert Seldes (1924), embora este não seja um
livro inteiramente dedicado à banda desenhada (Seldes defendia, demonstrando
pioneirismo, que as artes “menores” eram tão válidas como as artes “maiores”); Carl Barks and the Art of the Comic Book de Michael Barrier (1981); Reading the Funnies de
Donald Phelps (2001). Excelente é El Domicilio de la Aventura (1995) do
grande crítico argentino Juan Sasturain. De citar é ainda Psicopatologia de
la viñeta cotidiana do espanhol Jesus Quadrado (2000), e o livro recente do
português David Soares, Sobre BD (2004). Um caso “à parte” é o de Bruno
Lecigne que a solo em Avanies et Mascarade: L’évolution de la bande dessinée
en France dans les annés 70 (1981)
ou acompanhado por Jean-Pierre Tamine em Fac-Simile: Essai paratactique sur
le Nouveau Réalisme de la Bande Dessinée (1983) escreveu algumas das
melhores páginas alguma vez dedicadas à banda desenhada. A divulgação do muito
rico e complexo mundo da banda desenhada japonesa no Ocidente esteve sobretudo
a cargo de Frederik L. Schodt com Manga! Manga!: The World of Japanese Comics (1983) e Dreamland Japan (1996).
No capítulo das revistas da especialidade (para além das ligadas a
Thierry Groensteen já referidas atrás) há a citar em Portugal as revistas Quadrado
(1993) e Satélite Internacional (2002) onde escrevem: Pedro Moura,
Domingos Isabelinho, Marcos Farrajota, João Paulo Cotrim, Paulo Patrício, e
outros, com participações mais ocasionais; em França a extraordinária revista /
fanzine Critix (1996), onde escreveram Jean-Philippe Martin, Évariste
Blanchet, Renaud Chavanne, Pierre Huard (vindo da crítica universitária) e,
até, Fabrice Neaud. O desaparecimento da Critix prova amargamente que
não é viável a existência de uma revista de qualidade sobre banda desenhada sem
apoios institucionais. Nos Estados Unidos há muitas revistas da especialidade,
mas quase todas são feitas por fãs de superheróis para os fãs de superheróis
(caso da revista/fanzine Alter-Ego, já citada como fanzine, a
viver hoje uma nova reencarnação). Com um espírito crítico mais apurado, mas
sem chegar muito mais longe, em muitos dos casos, é digna de nota a revista The
Comics Journal onde escrevem: Gary Groth (um excelente crítico que,
infelizmente, pouco tem exercido), Darcy Sullivan, Ng Suat Tong, Robert Fiore,
Bart Beaty (com uma óptima coluna sobre banda desenhada europeia), Gregory
Cwiklik, Tom Spurgeon, Robert C. Harvey e algumas dezenas de outros com
participações mais ou menos ocasionais. A revista The Comics Journal tem
sido acusada de ser elitista e snobe, mas a acusação é injusta porque, com a
mudança constante do responsável editorial, e sem uma política coerente, a revista
tanto pode dar voz a um crítico conservador (R. C. Harvey ou Ray Mescallado)
como a um defensor acérrimo da “vanguarda”. Digno ainda de nota é o caso da
revista Graphis, dedicada ao design de comunicação, que publicou dois
números especiais (159, 60 - 1972/73) sobre a banda desenhada. A organização
esteve a cargo de David Pascal e Walter Herdeg, os artigos estiveram a cargo de
Pierre Couperie, Claude Moliterni, Archie Goodwin, Gil Kane, Les Daniels, Jules
Feiffer, David Pascal, Robert Weaver, Alain Resnais, Milton Glaser, Umberto
Eco.
Na crítica universitária a valoração deixou de fazer sentido. Os
críticos universitários aspiram a uma objectividade científica ideal, mas
impossível de atingir. A instituição tem tal prestígio que qualquer alvo de
estudo por ela escolhido ganha imediatamente um estatuto acima da mediania
anónima. Talvez seja por isso que houve (e ainda há) em certos sectores
universitários uma forte oposição ao estudo da banda desenhada. Tratava-se de
evitar a subida de status social a uma arte muito menor. Quando Umberto Eco
escreveu sobre Steve Canyon, os Peanuts, L’Il Abner e Superman em Apocalittici
e integrati: Comunicazioni di massa e teorie della cultura di massa (1964)
recebeu um acolhimento negativo por parte dos ditos “apocalípticos” (sobretudo
os marxistas inspirados na linha de pensamento da escola de Frankfurt, mas
também os conservadores de direita, acérrimos defensores dos valores
tradicionais e da divisão artes maiores/artes menores). Por outro lado os
“integrados”, surgiram, nos Estados Unidos da América, na universidade de
Bowling Green.
O caso cubano é paradigmático do ataque aos valores da América
capitalista. Livros como La vida en cuadritos (1993) de Paquita Armas lá
vão mandando as suas ferroadas aos imperialistas exploradores do terceiro
mundo. E no entanto parece que, ao mesmo tempo, a banda desenhada
norte-americana exerce um fascínio particular na autora. O que resulta, na realidade, é uma espécie de amor/ódio, mas o caso mais famoso (e o de
maior qualidade, diga-se de passagem) deste tipo de crítica marxista ao
imperialismo americano é Para leer el pato Donald (1972) de Ariel
Dorfman e Armand Mattelart. Uma abordagem do mesmo teor, mas feita com base na
banda desenhada franco-belga é La société des bulles (1977) de Wilbur
Leguebe. Em língua portuguesa do Brasil temos Uma Introdução Política aos Quadrinhos (1982) de Moacy Cirne.
Uma das
primeiras avenidas que a banda desenhada utilizou para entrar na universidade
foi o estudo estrutural e semiótico (ou semiológico, se não formos peirceianos e
sim saussurianos). O já citado Umberto Eco é um semiólogo eminente. Cabem também nesta categoria os livros: A Explosão Criativa dos
Quadrinhos de Moacy Cirne (1970), El lenguage de los
comics (1972) de Roman Gubern; Dessins et bulles: la bande dessinée comme
moyen d’expression (1972) de Pierre Fresnault-Deruelle; La bande
dessinée: essai d’analyse sémiotique (1972) também de Fresnault-Deruelle;
“La bande dessinée et son discours”, obra colectiva, número 24 da revista Communications
(1976), com ensaios de Fresnault-Deruelle, Umberto Eco, Luc Routeau, Vicky
du Fontbaré e Philippe Sohet, Bernard Toussaint, Michel Rio, Guy Gauthier, René
Lindekens, Alain Picquenot, Michel Covin; Structuren des Comic Strip (1974)
de W. Hünig; Récits et discours par la bande (1977) de Pierre
Fresnault-Deruelle. Mesmo em obras mais
recentes como Case, planche, récit: comment lire une bande dessinée (1991)
de Benoît Peeters, ou no muito sobrevalorizado Understanding Comics (1993)
de Scott McCloud, a marca estruturalista pode ainda ser encontrada. McCloud,
tal como Will Eisner, o qual escreveu dois livros sobre a linguagem da banda
desenhada, e Benoît Peeters, são artistas, não são universitários. É natural
que escrevam sobre a sua prática pois confrontam-se com problemas formais todos
os dias. Também de 1993 é o livro de Philippe Marion Traces en cases.
Ainda em 1993 há a registar o livro de Jan Baetens e Pascal Lefèvre Pour une
lecture moderne de la bande dessinée. Dez anos depois, em 2003, foi a lume Principes
des littératures dessinées de Harry Morgan (incluo o livro nesta lista embora o
autor conteste os seus predecessores dos anos 70). De resto, em Itália, Umberto
Eco deixou pelo menos um discípulo: Daniele Barbieri, o qual escreveu I linguaggi
del fumetto (1991). Uma curiosidade, só para demonstrar que nas periferias
também se produz é: Tralalá del cómic (1997) publicado em Santo Domingo
por Faustino Perez. Mas o melhor livro dentro desta categoria já foi citado
acima. Trata-se de Système
de la bande dessinée (1999) de Thierry Groensteen. A tese de Rui Zink Literatura
Gráfica? (1999) é uma mistura de muitas abordagens, mas a teoria formal
está também presente.
Outra
via de entrada dos estudos sobre banda desenhada na universidade foi a
sociológica. É importante referir o ensaio de Luc
Boltanski : “La constitution du champ de la bande dessinée” na obra
colectiva Actes de la Recherche en sciences Sociales número 1 (1975). De
Évelyne Sullerot há a registar: Bandes dessinées et culture (1965). No campo dos cultural studies destaca-se Arthur Asa Berger com The Comic-Stripped American: What Dick Tracy, Blondie, Daddy Warbucks
and Charlie Brown Tell Us about Ourselves
(1973); Martin Barker com Comics: Ideology, Power and the
Critics (1989). A aproximação do tipo “Bowling Green”
(indistinguível da hagiografia típica dos fãs e sem nenhuma abordagem teórica
visível) pode encontrar-se nos livros da University Press of Mississippi, por
exemplo em M. Thomas Inge e Matthew J. Pustz: Comics as Culture (1990), Comic
Book Culture: Fanboys and True Believers (1999), respectivamente.
Os historiadores de arte têm-se debruçado pouco e não muito bem
sobre a banda desenhada. São os casos de: História da Banda Desenhada
Infantil Portuguesa: (Das Origens até ao ABCzinho) (1987) de João Pedro
Ferro; The Aesthetics of Comics (2000) de David Carrier; Los comics
de la transición: (El boom del cómic adulto 1975 – 1984) (2001) de
Francesca Lladó; Comic Book Nation (2001) de Bradford W. Wright. A
verdade é que, tirando um ou outro pormenor, estas abordagens históricas não se
diferenciam assim tanto das efectuadas pelos amadores. Talvez os historiadores
estejam menos preocupados em registar tudo (mas mesmo tudo) e revelem um pouco
mais de método e preocupação em explorar as ligações entre sociedade e obra,
mas é só. O livro de Carrier nem sequer é um livro de história porque o mesmo
escreveu-o para tentar provar a tese absurda de que as “artes maiores” evoluem
enquanto as ditas “artes populares” nunca mudam. Os livros de David Kunzle: The Early Comic
Strip: narrative strips and picture stories in the European broadsheet from
c.1450 to 1825 (1973) e The history of the comic strip:
The nineteenth century (1990) são uma excepção
importante. Outra excepção é Comic Strips & Consumer Culture: 1890-1945 (2002) de Ian Gordon. Devido ao seu gosto pela estatística, nomeadamente no catálogo da exposição Bande Dessinée et Figuration Narrative (1967), diria que Pierre Couperie poderia tornar a posição de David Kunzle e Gordon menos solitária... Infelizmente a sua situação de fã (foi membro do Club des Bandes Dessinées e da SOCERLID) tirou-lhe a capacidade de evitar a hagiografia. Faltou-lhe também uma grande obra de referência...
A psicologia e a psicanálise têm pouca tradição na abordagem à
banda desenhada, mas ambas se podem encontrar também. Refiro-me sobretudo a quatro livros: Seduction of the Innocent (1954) de Fredric Wertham; Tintin
chez le psicanaliste (1985), Psychoanalise de la bande dessinée (1987)
ambos de Serge Tisseron, Les spectres de la bande (1978) de Alan Rey. Donald Ault
escreveu o ensaio ““Cutting Up” Again Part II: Lacan on Barks on Lacan” no
livro colectivo e pluridisciplinar: Comics Culture: Analytical and
Theoretical Approaches to Comics (2000) com organização de Anne Magnusson e
Hans-Christian Christiansen. Esta última obra, editada pela
universidade de Copenhaga, faz parte de uma série muito interessante de actas
ou, simplesmente, de recolhas de ensaios: à la rencontre de... Jacques Tardi
(1982) com organização de Jean Arrouye e Jean-Claude Faur; Bande
Dessinée Récit et Modernité (1988) com organização de Thierry Groensteen e
ensaios de Harry Morgan, Marc Avelot, Jacques Samson (memorável!), entre
outros… The Graphic Novel (2001) com organização de Jan Baetens (dele é
também o livro Formes et politique de la bande dessinée - 1998); The
Language of Comics (2002) com organização de Robin Varnum e Christina T.
Gibbons e ensaios de Gene Kannenberg, David Kunzle, David A. Beröna, entre
outros...
No campo das revistas da especialidade universitárias há a
registar a revista Crimmer’s: The Journal of Narrative Arts e Crimmer’s:
The Harvard Journal of Pictorial Fiction (1974); Inks: Comic and Cartoon Art Studies (1994) da Ohio State University; The
International Journal of Comic Art (1999) cujos
ensaios são maioritariamente de duas espécies: a divulgação de tradições
nacionais menos conhecidas; os cultural studies (interessante é a série
recente sobre os pioneiros da crítica). Nestas publicações podem encontrar-se
os textos de: Arthur Asa Berger (autor de uma monografia sobre Al Capp: Li’l
Abner: A Study in American Satire - 1970), Joseph Witek (o qual escreveu o
livro Comic Books As History: The Narrative Art of Jack Jackson, Art
Spiegelman and Harvey Pekar (Studies in Popular Culture) - 1989), Mike Kidson, Spiros Tsaousis, Waldomiro C. S. Vergueiro, Marc Singer,
Caridad Blanco de la Cruz, Michael Rhode, John A. Lent (o editor da revista), Leonard Rifas, Charles
Hatfield, Ole Frahm, Ana Merino, entre muitos outros...
Em conclusão: a crítica de banda desenhada tem fama de ser
inexistente. E no entanto...
Devido a
ser um fenómeno que se desenvolveu sobretudo de há 40 anos para cá (muito pouco
tempo, claro) não pode ter ainda um corpus semelhante ao de “outras críticas”
com tradições mais antigas. Por outro lado a crítica de banda desenhada é uma
actividade que quase ninguém reconhece e aprecia, não dá grande prestígio
social e muito menos dinheiro. Espero que o presente texto sirva para dar uma
pequena ideia a quem o ler da enorme variedade e do muito que, apesar de tudo,
já se fez. Como disse no início: desde o miúdo que escreve “umas coisas” num
fanzine aos textos desconstrutivistas de Ole Frham e John Ronan, de tudo um
pouco se pode encontrar na crítica de banda desenhada. Por vezes esta é
irritantemente obtusa, continua apegada a arcaísmos e infantilismos, revela
falta de metodologia, ignora aspectos inteiros da análise formal (as cores, a
narratologia, etc...), volta as costas às temáticas e ao sentido, valoriza esteticamente histórias simplistas e infantilóides (cheias de estereótipos racistas e machistas, por exemplo), é
profundamente anti-intelectual. Mas também pode ser incrivelmente inteligente e
interessante. O tempo se encarregará de separar o trigo do joio porque é bem
verdade o velho adágio que diz: não é o crítico que julga a obra, é a obra que
julga o crítico.
1Expressão
intraduzível, literalmente “sobrancelha alta” ou “testa alta”, integrada nos
campos semânticos
relacionados com a
intelectualidade, a cultura erudita e as boas maneiras. Highbrow opõe-se a lowbrow
(“sobrancelha baixa” ou “testa
baixa”, baixa cultura, costumes populares). Quanto à elocução “junk food”,
infelizmente tanto a mesma como
a coisa entraram de tal modo no nosso quotidiano planetário que me dispenso de mais comentários.
2“Belo” seria mais
apropriado, tratando-se de estética, mas o “conceito” caiu em desuso.
Bibliografia:
Nota:
P. e. = Primeira edição.
Adorno, Theodor (1993). Teoria Estética. Lisboa: Edições 70. [P. e.: (1970). Asthetische Theorie. Frankfurt am Main. Suhrkamp-Verlag.]
Buzzelli, Guido (1967). "La Rivolta dei Racchi," in Comics Almanacco (Julho) [catálogo do terceiro salão de banda desenhada de Lucca]. Roma/Lucca: Archivio Internazionale Della Stampa a Fumetti. [Romance gráfico.]
Chavanne, Renaud (1997). “Qu’est-ce que la critique?”, in Critix # 2. Argenteuil: Bananas BD.
Coelho, Eduardo Prado (1998). “Da Pluralidade dos valores (1)”, in Público, suplemento Leituras (18 de
Julho). Lisboa: Público Comunicação Social S. A..
- (2001). “A Ética da Crítica”, in Público, suplemento Mil Folhas (6 de Outubro). Lisboa: Público Comunicação Social S. A..
Goethe, Wolfgang von (s/d [1850]). "Conversations of Goethe With Eckermann and Soret", in Internet Archive
[http://archive.org/stream/conversationsgo02oxengoog/conversationsgo02oxengoog_djvu.txt]. Acedido a 15 de Julho de 2013. [P. e.:Eckermann, Johann Peter (1848). Gepräche mit Goethe in den letzten Jahren seines Lebens. Leipzig: Brockhaus.]
Hume, David (1997). “Of the Standard of Taste”, in The Hume Archives [http://www.utm.edu/research/hume]. [P. e.: (1757). Four Dissertations: The Natural History of Religion, Of the Passions, Of Tragedy, Of the Standard of Taste.]
Kant, Immanuel (1992). Crítica da Faculdade do Juízo. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. [P. e.: (1790). Critik der Urteilskraft. Berlim e Libau: Lagarde und Friedrich.]
Lampedusa, Giuseppe Tomasi di (2000). O Leopardo. Linda-a-Velha: Abril/ Controljornal. [P. e.: (1958). Il Gattopardo. Milão: Feltrinelli.]
Pekar, Harvey (1989). “Comics and Genre Literature: a Diatribe”, in The Comics Journal # 130 (Julho). Seattle: Fantagraphics Books.
Uma vez que já citei Thierry Groensteen posso passar à segunda “espécie” de críticos de banda desenhada: os jornalistas e os especialistas. Estes não são críticos universitários apenas porque não estão directamente relacionados com nenhuma destas instituições. Thierry Groensteen, por exemplo, integra-se nesta categoria, com inúmeros livros de divulgação mais ou menos popular, e na seguinte, a universitária, com Système de la bande dessinée (1999). Para além de dirigir os Cahiers de la bande dessinée durante o seu período verdadeiramente interessante dirige e publica actualmente a não menos importante revista 9e art. Thierry Groensteen escreveu Animaux en cases (1987), L’Univers des manga: une introduction à la BD japonaise (1991), Couleur directe (1993), La construction de La Cage: autopsie d’un roman visuel (2002), etc… Nos Estados Unidos é obrigatório citar: The Seven Lively Arts de Gilbert Seldes (1924), embora este não seja um livro inteiramente dedicado à banda desenhada (Seldes defendia, demonstrando pioneirismo, que as artes “menores” eram tão válidas como as artes “maiores”); Carl Barks and the Art of the Comic Book de Michael Barrier (1981); Reading the Funnies de Donald Phelps (2001). Excelente é El Domicilio de la Aventura (1995) do grande crítico argentino Juan Sasturain. De citar é ainda Psicopatologia de la viñeta cotidiana do espanhol Jesus Quadrado (2000), e o livro recente do português David Soares, Sobre BD (2004). Um caso “à parte” é o de Bruno Lecigne que a solo em Avanies et Mascarade: L’évolution de la bande dessinée en France dans les annés 70 (1981) ou acompanhado por Jean-Pierre Tamine em Fac-Simile: Essai paratactique sur le Nouveau Réalisme de la Bande Dessinée (1983) escreveu algumas das melhores páginas alguma vez dedicadas à banda desenhada. A divulgação do muito rico e complexo mundo da banda desenhada japonesa no Ocidente esteve sobretudo a cargo de Frederik L. Schodt com Manga! Manga!: The World of Japanese Comics (1983) e Dreamland Japan (1996).
Na crítica universitária a valoração deixou de fazer sentido. Os críticos universitários aspiram a uma objectividade científica ideal, mas impossível de atingir. A instituição tem tal prestígio que qualquer alvo de estudo por ela escolhido ganha imediatamente um estatuto acima da mediania anónima. Talvez seja por isso que houve (e ainda há) em certos sectores universitários uma forte oposição ao estudo da banda desenhada. Tratava-se de evitar a subida de status social a uma arte muito menor. Quando Umberto Eco escreveu sobre Steve Canyon, os Peanuts, L’Il Abner e Superman em Apocalittici e integrati: Comunicazioni di massa e teorie della cultura di massa (1964) recebeu um acolhimento negativo por parte dos ditos “apocalípticos” (sobretudo os marxistas inspirados na linha de pensamento da escola de Frankfurt, mas também os conservadores de direita, acérrimos defensores dos valores tradicionais e da divisão artes maiores/artes menores). Por outro lado os “integrados”, surgiram, nos Estados Unidos da América, na universidade de Bowling Green.
No campo das revistas da especialidade universitárias há a registar a revista Crimmer’s: The Journal of Narrative Arts e Crimmer’s: The Harvard Journal of Pictorial Fiction (1974); Inks: Comic and Cartoon Art Studies (1994) da Ohio State University; The International Journal of Comic Art (1999) cujos ensaios são maioritariamente de duas espécies: a divulgação de tradições nacionais menos conhecidas; os cultural studies (interessante é a série recente sobre os pioneiros da crítica). Nestas publicações podem encontrar-se os textos de: Arthur Asa Berger (autor de uma monografia sobre Al Capp: Li’l Abner: A Study in American Satire - 1970), Joseph Witek (o qual escreveu o livro Comic Books As History: The Narrative Art of Jack Jackson, Art Spiegelman and Harvey Pekar (Studies in Popular Culture) - 1989), Mike Kidson, Spiros Tsaousis, Waldomiro C. S. Vergueiro, Marc Singer, Caridad Blanco de la Cruz, Michael Rhode, John A. Lent (o editor da revista), Leonard Rifas, Charles Hatfield, Ole Frahm, Ana Merino, entre muitos outros...
Em conclusão: a crítica de banda desenhada tem fama de ser inexistente. E no entanto...
Devido a
ser um fenómeno que se desenvolveu sobretudo de há 40 anos para cá (muito pouco
tempo, claro) não pode ter ainda um corpus semelhante ao de “outras críticas”
com tradições mais antigas. Por outro lado a crítica de banda desenhada é uma
actividade que quase ninguém reconhece e aprecia, não dá grande prestígio
social e muito menos dinheiro. Espero que o presente texto sirva para dar uma
pequena ideia a quem o ler da enorme variedade e do muito que, apesar de tudo,
já se fez. Como disse no início: desde o miúdo que escreve “umas coisas” num
fanzine aos textos desconstrutivistas de Ole Frham e John Ronan, de tudo um
pouco se pode encontrar na crítica de banda desenhada. Por vezes esta é
irritantemente obtusa, continua apegada a arcaísmos e infantilismos, revela
falta de metodologia, ignora aspectos inteiros da análise formal (as cores, a
narratologia, etc...), volta as costas às temáticas e ao sentido, valoriza esteticamente histórias simplistas e infantilóides (cheias de estereótipos racistas e machistas, por exemplo), é
profundamente anti-intelectual. Mas também pode ser incrivelmente inteligente e
interessante. O tempo se encarregará de separar o trigo do joio porque é bem
verdade o velho adágio que diz: não é o crítico que julga a obra, é a obra que
julga o crítico.
1Expressão
intraduzível, literalmente “sobrancelha alta” ou “testa alta”, integrada nos
campos semânticos
relacionados com a
intelectualidade, a cultura erudita e as boas maneiras. Highbrow opõe-se a lowbrow
(“sobrancelha baixa” ou “testa
baixa”, baixa cultura, costumes populares). Quanto à elocução “junk food”,
infelizmente tanto a mesma como
a coisa entraram de tal modo no nosso quotidiano planetário que me dispenso de mais comentários.
2“Belo” seria mais
apropriado, tratando-se de estética, mas o “conceito” caiu em desuso.
Bibliografia:
Nota:
P. e. = Primeira edição.
Adorno, Theodor (1993). Teoria Estética. Lisboa: Edições 70. [P. e.: (1970). Asthetische Theorie. Frankfurt am Main. Suhrkamp-Verlag.]
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Coelho, Eduardo Prado (1998). “Da Pluralidade dos valores (1)”, in Público, suplemento Leituras (18 de
Julho). Lisboa: Público Comunicação Social S. A..
- (2001). “A Ética da Crítica”, in Público, suplemento Mil Folhas (6 de Outubro). Lisboa: Público Comunicação Social S. A..
Goethe, Wolfgang von (s/d [1850]). "Conversations of Goethe With Eckermann and Soret", in Internet Archive
[http://archive.org/stream/conversationsgo02oxengoog/conversationsgo02oxengoog_djvu.txt]. Acedido a 15 de Julho de 2013. [P. e.:Eckermann, Johann Peter (1848). Gepräche mit Goethe in den letzten Jahren seines Lebens. Leipzig: Brockhaus.]
Hume, David (1997). “Of the Standard of Taste”, in The Hume Archives [http://www.utm.edu/research/hume]. [P. e.: (1757). Four Dissertations: The Natural History of Religion, Of the Passions, Of Tragedy, Of the Standard of Taste.]
Kant, Immanuel (1992). Crítica da Faculdade do Juízo. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. [P. e.: (1790). Critik der Urteilskraft. Berlim e Libau: Lagarde und Friedrich.]
Lampedusa, Giuseppe Tomasi di (2000). O Leopardo. Linda-a-Velha: Abril/ Controljornal. [P. e.: (1958). Il Gattopardo. Milão: Feltrinelli.]
Pekar, Harvey (1989). “Comics and Genre Literature: a Diatribe”, in The Comics Journal # 130 (Julho). Seattle: Fantagraphics Books.
Buzzelli, Guido (1967). "La Rivolta dei Racchi," in Comics Almanacco (Julho) [catálogo do terceiro salão de banda desenhada de Lucca]. Roma/Lucca: Archivio Internazionale Della Stampa a Fumetti. [Romance gráfico.]
Chavanne, Renaud (1997). “Qu’est-ce que la critique?”, in Critix # 2. Argenteuil: Bananas BD.
Coelho, Eduardo Prado (1998). “Da Pluralidade dos valores (1)”, in Público, suplemento Leituras (18 de
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- (2001). “A Ética da Crítica”, in Público, suplemento Mil Folhas (6 de Outubro). Lisboa: Público Comunicação Social S. A..
Goethe, Wolfgang von (s/d [1850]). "Conversations of Goethe With Eckermann and Soret", in Internet Archive
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Hume, David (1997). “Of the Standard of Taste”, in The Hume Archives [http://www.utm.edu/research/hume]. [P. e.: (1757). Four Dissertations: The Natural History of Religion, Of the Passions, Of Tragedy, Of the Standard of Taste.]
Kant, Immanuel (1992). Crítica da Faculdade do Juízo. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. [P. e.: (1790). Critik der Urteilskraft. Berlim e Libau: Lagarde und Friedrich.]
Lampedusa, Giuseppe Tomasi di (2000). O Leopardo. Linda-a-Velha: Abril/ Controljornal. [P. e.: (1958). Il Gattopardo. Milão: Feltrinelli.]
Pekar, Harvey (1989). “Comics and Genre Literature: a Diatribe”, in The Comics Journal # 130 (Julho). Seattle: Fantagraphics Books.
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