Wednesday, August 5, 2015

Captivant de Chaland Cornillon Por Paulo Pereira - Coda

Elogiei Paulo Pereira no meu último post, mas em texto do mesmo sobre Hergé no Expresso, Revista de 2 de julho de 1988 este demonstra ter o sentido crítico atraiçoado pelo seu tintinofilismo; nada mais mortal para o crítico do que o embotamento provocado pelo fanatismo. Referi que nada tinha a ver com o gosto convencional franco-belga de Paulo Pereira, mas noutros textos sobre Bilal e Moebius / Charlier esse seu gosto não o impediu de referir as fraquezas das obras que analisou. Por isso o admiro. Aqui, não. O sortilégio da obra de Hergé demonstra ser demasiado poderoso. Não encontramos neste texto uma palavra sobre o racismo chocante de Tintin no Congo, álbum apelidado de "clássico". Onde estão agora as referências ao colonialismo da banda desenhada infantil tradicional, tão ligeiramente aplicadas a O Cavaleiro Andante e a O Papagaio? (Neste último caso seria o colonialismo de "Tintin em Angola"?) Não encontramos uma palavra sobre as razões (colaboracionismo) que levaram Hergé a "desaparecer" no lago Leman (como é referido).

Mas este meu novo post tem outro intuito. A verdade é que depois de lamentar a ausência de crítica de banda desenhada no jornal Expresso, por ironia resulta que o Expresso desta semana (revista E de 1 de Agosto de 2015) tem precisamente um texto crítico sobre O Árabe do Futuro de Riad Sattouf (Teorema, 2015). Não tenho grande coisa a comentar sobre o texto de José Mário Silva ("Entre ouro e lama") até porque não li o livro. Mais do que um texto crítico é de uma resenha que se trata. Atente-se, no entanto, no final do texto, citado abaixo, e observe-se a imagem (66).
Se [Riad Sattouf] mantiver a qualidade gráfica (linha clara, pranchas densas), a escrita precisa e o humor cáustico, merecerá sem dúvida a atenção de um círculo de leitores mais vasto do que o habitual público consumidor de banda desenhada.

Desde Töpffer, pelo menos, que há uma grande tradição do uso da caricatura na banda desenhada. Tanto é assim que para muitos banda desenhada e caricatura é quase o mesmo. No já longinquo ano de 2009 escrevi sobre tudo isto e não vou agora repetir-me. Direi apenas que essa ligação é circunstancial e que não importa o estilo em que se desenhe (ou pinte, ou fotografe, porque não?) desde que esse estilo seja adequado ao que se pretende transmitir. Ora, não é o que se passa acima. Repito que não li o livro e não sei o papel que o humor cáustico ou não tem na história, mas basta-me a seguinte descrição de José Mário Silva: "[Riad Sattouf é] capaz de saltar de um episódio cómico [...] para outro de inaudita brutalidade (os pés dos enforcados em plena rua, escorrendo água durante uma bátega)" para dizer que algo está profundamente errado aqui. Chris Ware disse que, e faço uma paráfrase, autores como ele estavam a tentar contar histórias potentes com instrumentos próprios para contar anedotas. Observe-se acima o estilo big foot de Sattouf (não, não é linha clara) e pergunte-se: como os leitores de banda desenhada estão completamente imersos, quase desde o berço, em caricaturas é natural que já nem reparem, mas, e os outros?, aqueles que, nas palavras de José Mário Silva, não são "o habitual público consumidor de banda desenhada", aceitarão eles de bom grado este achincalhamento do sofrimento humano?

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