Saturday, August 23, 2014

Héctor Germán Oesterheld: A Desinformação Continua, Também Em Portugal

Na barbárie em que irremediavelmente megulhámos no século XXI a banda desenhada só é falada nos meios de comunicação de massas pelas piores razões. A regra é simples: só se fala do que vende... e a banda desenhada pura e simplesmente não vende. A não ser que esteja ligada ao cinema (e se for ao cinema comercial, tanto melhor...).

É por isso que o mais do que medíocre Sin City da mais do que medíocre dupla Rodriguez / Miller faz hoje capa da revista "Actual" do jornal Expresso. (Excurso retrospectivo: Sábado, 1 de Dezembro de 1990, "Expresso, a Revista", pp. 103-R a 106-R: "João Bénard da Costa: Dos Filmes e da Vida" - quando neste semanário ainda se falava de cinema a sério; há muito tempo, portanto...)

Mas não é para falar disto, que só merece o meu desprezo e o meu silêncio, que escrevo estas linhas. É que quem de direito lembrou-se de que, afinal, Sin City começou por ser uma série de banda desenhada (na revista Dark Horse Presents da editora Dark Horse, já agora...) e resolveu activar o seu há muito desactivado crítico de banda desenhada de serviço (ou deveria escrever: "crítico de BD"?), João Paiva Boléo. O texto deste é reverente quanto baste para com os patrões, mas não deixa, felizmente, de mencionar o voyeurismo e a violência que não têm nada de gratuito, antes indicam uma ideologia machista e de extrema direita.

Mas, passons, como disse e repito Sin City só merece o meu desprezo e o meu silêncio. Onde João Paiva Boléo borra a pintura é na última frase onde cita "Alack Sinner" (Muñoz e Sampayo), "Corto Maltese" (H. Pratt) e "Mort Cinder" (A. Breccia). A. Breccia? A sério? E porque carga de água é que "Alack Sinner" é, e bem, de Muñoz e Sampayo enquanto "Mort Cinder" é de A. Breccia? E Oesterheld, onde está? Os críticos de banda desenhada europeus teimam não só em não reconhecer o maior argumentista da história da banda desenhada (campo restrito) como tal, mas, pior: por uma estranha razão (a que Ugo Pratt está longe de ser alheio) tendem a obliterá-lo completamente e a despossuí-lo daquilo que genial e genuinamente criou.


Héctor Germán Oesterheld (e), Alberto Breccia (d), Misterix # 719, 24 de Agosto de 1962.

5 comments:

  1. sim é triste associar o facho do Miller com argentinos que ainda por cima sofreram com a "pax americana" (Kissinger remix)... Comprei a m***a do Expresso porque saiu uma crítica ao Zona de Desconforto (o livro saiu em Abril!)... o desconforto foi logo o meu ao ver como capa o Sin City, e ler um artigo a engrandecer aquela javardice... A única desculpa disto tudo é que estamos em regime de silly season (oficial porque é Agosto e extra-oficial porque desconfio que se prolonga durante o resto do ano)
    abraços
    M

    ReplyDelete

  2. Em defesa do Boléo, ele compara os argentinos e o Pratt favoravelmente ao Miller.

    Um abraço!

    ReplyDelete
  3. bah! sim, eu li isso... mas para quê misturar coisas? O Miller é um produto de uma indústria sem qualquer tipo de ética (olha como aquele, o Keith Giffens senão me engano, que roubou o estilo do Muñoz à descarada), se ele não fosse famoso antes do Sin City ninguém ligaria a essa série, que é abaixo de cão... Os argentinos também podiam ser uma indústria de BD mas aposto que nenhum deles teria coragem de gamar um estilo de desenho a alguém, para não falar da humanidade dessas obras - e humanidade é que mais falta em Miller. Compará-los é reduzir os argentinos e Pratt ao mesmo campeonato de labregos de mamas e armas... não? (questão essa que acompanha a BD desde sempre, no mesmo saco consegue-se escrever sobre Tintin e Manara e Crumb, porque "tudo é BD")... abraços

    ReplyDelete
  4. Realmente essa é uma velha questão. Para os críticos "fans de BD" (e isto é um oxímoro, claro: a expressão "sentido crítico" tem de ser oposta à palavra "fanático") tudo é igualmente bom porque "tudo é BD" e eles "gostam é de BD". Como se Mizoguchi e Spielberg fossem a mesma coisa só porque são ambos realizadores de cinema. Mas eu, francamente, para este peditório da metacrítica já dei mais do que o suficiente... Vou só referir um caso que se passou em França:
    Sob o impulso de Vincent Bernière e Fabrice Bousteau a revista de arte Beaux Arts Magazine (no meio artístico acho que se pode dizer que se trata de uma publicação dirigida ao "grand publique", mas enfim...) teve uma secção dedicada à banda desenhada e publicou pelo menos dois excelentes "hors-série" em 2003 e 2004. Fast-forward até 2009 ou por aí, e no "hors-série" Les secrets des maîtres de la BD os mestres são, de repente, Hergé, Crumb, Giraud, Bilal, etc... Ou seja, como a banda desenhada não vende (aposto que os "hors-série" de 2003/04 tiveram pouca saída) passa-se a alinhar com o resto da carneirada com direito a anúncio da Casterman e tudo. É este, também, o cinismo do Expresso. O Boléo é só cúmplice disto, mais nada... mas já não é pouco...

    ReplyDelete
  5. Já agora uma revista de arte muito melhor do que a Beaux Arts, a Art Press, também publicou um "Spécial" dedicado à banda desenhada: Bandes D'Auteurs. Excusado será dizer que é uma publicação, esta sim, absolutamente fora de série.

    ReplyDelete